Império à deriva

Patrick Wilcken



Em 1807, no auge das guerras napoleónicas, o príncipe regente português D. João tomou uma decisão extraordinária. Apesar de horrorizado com a ideia de uma viagem marítima, optou por transferir toda a Corte e o Governo para a maior colónia de Portugal, o Brasil. Com as tropas francesas a apertar o cerco a Lisboa, um total de 10.000 aristocratas, ministros, sacerdotes, e criados, sobe a bordo das frágeis embarcações da frota portuguesa. Após uma difícil viagem transatlântica sob escolta britânica, desembarcaram imundos, cheios de piolhos e esfarrapados, para grande surpresa dos súbditos do Novo Mundo.
A transferência da Corte e do governo português para o Brasil deu início a um período único de governo imperial a partir dos trópicos, que durou treze anos. O Rio de Janeiro não tardou a ser beneficiado com uma nova Ópera, um luxuriante Jardim Botânico e um Paço Real - uma Versalhes Tropical - tendo como esplêndido pano de fundo montanhas revestidas de vegetação luxuriante. Mas esta fachada metropolitana só parcialmente obscurecia a actividade brutal daquele que era o maior porto de escravos das Américas. Enquanto Patrick Wilcken dá vida a este período extraordinário, combinando ricos testemunhos contemporâneos com uma evocação plena de ideias do único momento na História em que a realeza europeia viveu numa colónia.

“Quando a última carruagem saiu do pátio de entrada de Queluz, o que um dia fora um retiro sagrado da realeza começou a ganhar o ar de edifício condenado. Da coluna em movimento lento, o palácio via-se cada vez mais longe, as paredes molhadas pela chuva já não pareciam imponentes, as sebes aparadas, a intrincada escultura dos arbustos, as fontes e as estátuas esvaziadas de poder simbólico.
Na cidade um enorme número de pessoas movimentava-se entre o emaranhado de ruas e (…) apinhava-se no cais (…).
Na manhã de 29 de Novembro (1808) foi dada ordem para levantar âncora. (…) Atrás de si, o esquadrão real deixava um cenário desolador; bagagens, papéis ensopados em água e caixotes abandonados espalhavam-se pelo cais; a lama, muito pisada, começava a secar, deixando marcas da recente agitação – um caos de pegadas, torrões e linhas em espiral. Entre os detritos jaziam artigos inestimáveis do património da coroa, deixados para trás na pressa de partir. Coches luxuosos com arreios em belíssimo estado, muitos ainda cheios de valores retirados dos palácios, estavam parados nas docas vazias; catorze carradas de prata das igrejas foram abandonadas aos franceses e os sessenta mil volumes da biblioteca real da Ajuda espalhavam-se na lama (…)
Podemos nunca vir a saber ao certo quantas pessoas conseguiram embarcar na frota, mas parece que cerca de dez mil saíram de Portugal para o Brasil, na primeira vaga – um número impressionante se tivermos em conta que a população de Lisboa naquela época não ultrapassava as 200 mil almas. A um vasto séquito de cortesãos – cirurgiões reais, confessores, damas de honor, guarda-roupas do rei, cozinheiros e pajens – juntava-se a melhor sociedade lisboeta – conselheiros de estado, sacerdotes, juízes e advogados, juntamente com os seus familiares. Do núcleo original da coroa e dos funcionários governamentais, subornos e pedidos de favor tinham alargado o grupo para incluir funcionários subalternos, homens de negócios, familiares distantes e penduras variados. (…)”


«... o seu principal objectivo em Império à Deriva é contar uma boa história descrevendo eventos ou evocando personagens. A narrativa desenrola-se rapidamente e é lúcida. Wilcken oferece interessantes reflexões sobre as consequências para Portugal, alongo prazo, da ausência do rei durante treze anos. Em geral, ele consegue ter sucesso nesta tarefa difícil: escrever tanto para especialistas como para leitores comuns.»

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