Toni Morrison
 
Love é o oitavo romance da americana Toni Morrison.  Publicada nos EUA em 2003, esta obra só agora chega às bancas  portuguesas com tradução de Maria João Freire de Andrade e chancela da  Dom Quixote. Toni Morrison, nome artístico de Chloe Anthony Wofford,  nasceu em 1931 no Estado americano do Ohio. 
Tendo-se estreado na literatura em 1970, depressa  granjeou a simpatia dos leitores e da crítica, quer pelo poder épico das  suas obras, quer pela carga poética e riqueza expressiva com que  retrata a América Negra. Com efeito, enquanto escritora e enquanto  cidadã, esta afro-descendente revelou desde sempre uma sensibilidade  apurada pelos direitos civis e pela igualdade entre raças. Com vários  prémios literários no currículo, Toni Morrison foi consagrada com o  Prémio Nobel da Literatura em 1993.
Ao longo de  dez capítulos, o primeiro dos quais sem numeração e constituindo uma  espécie de prefácio, Toni Morrison narra a história de três gerações da  família Cosey. Bill Cosey, o patriarca falecido há já 25 anos no  presente diegético, Heed a sua segunda esposa, Christine a sua neta (da  mesma idade de Heed) e May, mãe de Christine e nora de Bill. A acção  passa-se numa cidade costeira chamada Silk, perto de Up Beach, onde Bill  possuíra nos anos 40 o Cosey’s Hotel and Resort, um hotel de luxo  frequentado pela classe mais alta da sociedade negra americana, que  oferecia bom clima, boa praia, boa música e bom ambiente.
A  ascensão e o declínio desta família, plasmados no próprio edifício do  hotel, são contados por duas vozes narrativas distintas. A obra começa e  termina na primeira pessoa do singular e em itálico, com a voz de L,  uma narradora homodiegética. L é a antiga cozinheira do hotel, uma  testemunha privilegiada dos acontecimentos narrados e aquela que, logo  no primeiro capítulo se apresenta como aquela que vai contar “uma velha  história popular”, ou melhor, “apenas mais outra história inventada para  assustar mulheres perversas e castigar crianças desobedientes” (p.17).  No entanto, L nunca chega a revelar o seu nome, pelo que o próprio  título do livro, mantido em inglês pela tradutora portuguesa, poderá ser  interpretado como o nome por detrás da inicial L. A maior parte do  enredo é, no entanto, relatado por um narrado heterodiegético na  terceira pessoa. A genialidade da autora reside precisamente no modo  como este narrador, omnisciente, se cola à perspectiva de diversas  personagens para revelar as várias versões dos mesmos acontecimentos.  Dito de outro modo, o leitor é confrontado com várias visões da  realidade e é a ele que cabe decidir em qual das versões deve acreditar.  O poder de manipulação das palavras é extremamente exigente e só um  leitor implicado poderá acompanhar o ritmo dialógico da narração.  
Quanto  à história propriamente dita, pode dizer-se que a narrativa começa com a  chegada de Junior Viviane à Monarch Street, a rua onde se situa o  palacete habitado e disputado por Heed e Christine. Estas duas mulheres,  outrora amigas inseparáveis, vivem entregues a um sentimento de ódio e  traição que elas próprias não sabem muito bem como ou por que razão  começou. Será aliás a arqueologia dessa inimizade que funcionará como  motor da narrativa. Junior Viviane é, por seu turno, uma espécie de  quarta geração que, não estando unida pelos laços de sangue, é  imediatamente acolhida no palacete e por lá ficará, também ela  sequestrada pelo magnetismo do patriarca desaparecido.
Em  cada capítulo, a história desta família vai sendo reescrita, explicada,  expandida e refeita. As peças perdidas de um passado impossível de  alterar, vão sendo descobertas e encaixadas como se de um puzzle se  tratasse. O olhar do narrador heterodiegético é necessariamente  caleidoscópico, pois só um olhar assim poderia almejar atingir os  interstícios da realidade e trazer à luz do dia o amor que subjaz a todo  o ódio que povoa o presente. O amor extremo impediu, no passado, a  comunicação entre as personagens. Esse amor sem palavras tomou a forma  de um ódio destruidor e homicida. 
A pouco e  pouco, o leitor vai ouvindo falar de outras mulheres que se cruzaram no  caminho da família Cosey. Julia, a primeira mulher de Bill, morre quando  o filho destes tem apenas doze anos. Já adulto, Billy Boy, o único  filho de Cosey, casa com May, uma rapariga da classe média, filha de um  pregador itinerante. Anos mais tarde, conhece a melhor amiga da neta  Christine, Heed, e casa com a menina de apenas 11 anos. Este casamento  choca a família e a comunidade, mas o poder e o dinheiro de Bill  permitem-lhe fazer o que quer, sem se preocupar com o que os outros  dizem. Será esta união perversa e imoral de um homem com uma criança que  irá acelerar o trágico destino da família. May, a nora que entretanto  fica viúva, sente o seu poder diminuído e a herança da filha ameaçada.  Ela acaba com a amizade das duas crianças e torna a vida de Heed num  inferno.   
Estas mulheres e outras mulheres, das  quais se destaca Celestial por ser a favorita de Bill, disputam  ferozmente o amor e a atenção de Bill. As suas vidas são desperdiçadas  nessa luta, até ao momento em que, um quarto de século volvido sobre a  morte de Bill Cosey, tudo se esclarece. As tréguas chegam, no entanto,  tarde de mais. O clã Cosey está já destruído e não há lugar para  vencedores nem vencidos, apenas para sobreviventes. 
O que esta  obra surpreendente nos traz são motivos de reflexão intemporais e  universais: a importância da comunicação, a fragilidade das relações  humanas, a força edificante e/ou destruidora do amor, a importância da  família, as implicações que um acto odioso pode ter no curso da nossa  vida e no curso da vida dos outros. Em suma, Love lembra-nos que o  amor não sobrevive à falta de comunicação e que a ausência de diálogo e  de entendimento só poderão conduzir ao ódio.