"Namora um rapaz que se orgulha da
biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também
tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos
seus olhos. Namora um rapaz que tenha uma pilha de três ou quatro livros na
cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras
letras. Encontre um rapaz que lê. Não é difícil
descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele
que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na
livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque
sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o
que lê.
Ele é o rapaz que não tem medo de se sentar
sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não
está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O
rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique
o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê
conversar.Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas
traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto
proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo –e tenha paciência para
escutar, a resposta nunca é assim tão fácil.
Namora um rapaz que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo,
porque já leu Simone, Clarice e –talvez não admita– sabe de memória uns trechos
de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as
complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um rapaz que lê enxerga
em você todas as personagens de todos os romances.
Um rapaz que lê não tem pressa, sabe que
as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos
ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance,
que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência.
Um namorado que lê gosta de muita coisa,
mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal,
livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um rapaz que lê
nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo.
E você também ganhará um ou outro livro
de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira
qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que
ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um rapaz que lê não dá um livro por
acaso. E escreve dedicatórias, sempre.
Entenda que ele precisa de um tempo
sozinho, mas não é porque quer fugir de você.
Invariavelmente, ele vai voltar
–com o coração aquecido– para o seu lado.
Demonstre seu amor em palavras, palavras
escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de
significados; nem todo silêncio é vazio.
Ele vai se dedicar a transformar sua
vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará
parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouvi-lo
lendo Neruda baixinho no quarto ao lado.
Quem sabe ele recite alguma coisa, meio
envergonhado, nos dias especiais. Um rapaz que lê vai contar aos seus filhos a
História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão
Gancho.
Namora um rapaz que lê porque você
merece. Merece um rapaz que coloque na sua vida aquela beleza singela dos
grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para
quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser
aquela parte do “e eles viveram felizes para sempre”, namora um rapaz que lê.
Ou, melhor ainda, namora um rapaz que
escreve."
(Baseado no "Namora uma rapariga que
lê", by Gabriela Ventura)
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